Platon é um fotógrafo britânico (sim, eu sei, ele nasceu na Grécia) filho de pai arquiteto e mãe historiadora da Arte, já explica com facilidade o nível estético e a falsa simplicidade de suas fotos.
Veterano de revistas como Rolling Stones, New York Times Magazine, Vanity Fair, Esquire, GQ e a the Sunday Times Magazine, Platon ficou famoso pelos retratos das (difíceis) personalidades que registrou e, principalmente, por uma peculiaridade enganadora: faz parecer fácil, algo absurdamente difícil.
Suas fotografias serviram de inspiração para uma idéia agradavelmente diferente e nesse artigo aproveito uma sessão de fotos que fiz para a novela "A Regra do Jogo" para explicar:
-a iluminação usada nos retratos de Platon,
-o motivo da sua "luz simples",
- a brecha encontrada para explorar e se destacar,
- como você pode (e deve) fazer o mesmo nos seus retratos
As referências:
Separei acima alguns retratos famosos, voltando rapidamente no tempo é possível encontrar as fontes de onde Platon bebeu: In the American West, onde Richard Avedon faz retratos comissionados dos personagens do oeste americano e dos magistrais retratos de Irving Penn, uma viagem mais distante ainda nos leva à Condessa de Castiglione, conhecida por suas fotos em fundo neutro em 1860.
O caso da Condessa é bem mais grave: tudo está ali, qualquer uma de suas fotos feitas ainda no século 19 poderia ser a capa da Vogue do século 21.
Eu publiquei dois artigos explicando a importância do trabalho da Condessa e do Penn aqui no blog, estão nos links abaixo, junto das fotos para comparação com as de Platon.
"Vá direto ao ponto"
Sabe aquelas fotos de grávida com tiaras, flores, balancinho, véus gigantes, por do sol, camisa de time, sapatinho na barriga, flare, teal and orange que fazem com que você perceba todos os elementos, menos a grávida?
Pois bem, é o oposto do que essas feras do retrato fazem: assim como a gestação da sua grávida, a história do personagem é maior que qualquer outro entulho que se coloque na imagem.
Funciona com um coletor de mel no oeste americano, uma vendedora de balões, um acougueiro, por quê não funcionaria com um presidente ultra poderoso?
A história de Bill Clinton, Obama, Mark Zuckerberg, Mohammad Ali, George Clooney, ou qualquer outro ser humano, é suficiente para "encher o retrato", é tão definitivo em si mesma que se deseja que nenhum elemento, por mais bonitinho e fofinho que seja, tire a atenção do retratado.
Sim, torna a tarefa de retratar alguém muito mais difícil, não há elementos que camuflem qualquer inaptidão, restam apenas você e uma história a contar.
O próprio Platon relata isso nesse vídeo:
Por quê a luz "simples"?
Porque ninguém dá a mínima para a luz mirabolante dos seus retratos, só os amadores.
Esse é um erro crucial na fotografia, que separa os iniciantes dos profissionais:
Não ilumine para provar que você sabe iluminar, isso já é esperado de um fotógrafo.
Ilumine para contar uma história!
Platon mostra esse desprendimento ao escolher uma fonte luminosa apenas ( uma tocha Profoto, sim, você consegue fazer o mesmo com flash dedicado) com uma sombrinha translúcida.... a mesma sombrinha que os especialistas do Youtube classificam como "espalha bosta".
Olhe atentamente o retrato de Serena Williams: se você continua reparando na luz e na sombrinha, errou feio..rs
A foto está ali, perceba a expressão serena do rosto da Serena (ops, foi mais forte que eu).
Está tudo ali, o trabalho mais difícil já foi feito, Platon tem uma Hasselblad na mão, mas serve qualquer uma, uma micro 4/3 funcionaria, porque também não é sobre sensores, ISO, lente, a insossa da nitidez ou o absolutamente desnecessário, irritante e onipresente "bokeh".
Esse é o papo daquele fotógrafo amador lá de cima que está olhando para a luz em vez da história.
Nenhum desses equipamentos ou conceitos mirabolantes fará de você um excelente retratista, mas sim a capacidade de gerar esse brilho e tranquilidade no olho de uma Serena Williams.
Acredite: essa habilidade leva muito empo para ser construída e está relacionada ao quanto você se preparou ANTES do clique final. Não há filtro neural para isso...
Melhor: há e você já nasceu com ele!
No link da entrevista abaixo, Platon conta o que já é esperado: ele teve que caçar as personalidades e vencer um batalhão de assessores que filtram as fotos mesmo que o retratado deseje ser fotografado.
A norma é o pedido nem chegar aos ouvidos de quem você quer fotografar e, quando chega, te reservam muito pouco tempo mas, paradoxalmente, exigem qualidade máxima. Jogo jogado.
Imagine caçar personalidades como Putin, Chávez, Gaddafi, entre outros potentados, com mochilas de equipamentos que levam horas para serem montados e testados? O tempo disponível seria o mesmo para alguém com uma sombrinha ou 17 flashes e assistentes.
Invista em um mínimo de excelente qualidade e seja feliz, a necessidade é a mãe da criação!
Como reproduzir a luz de Platon?
A novela "A Regra do Jogo", de João Emanuel Carneiro, contava com um elenco estelar. Seus principais personagens mesclavam doses de vilania e bom-mocismo, como na vida real a maioria tinha máculas passadas ou problemas no presente.
Nosso editor de fotografia na época, Sergio Zalis, teve uma idéia muito boa: comos todos tinham lá seus problemas, não seria interessante deformá-los também nas primeiras fotos de apresentação para a imprensa?
Havia um risco inerente de fotos "feias" não serem bem recebidas, mas não custava tentar.
Umas das gravações aconteceria em um estacionamento no centro do Rio, começando no meio da noite, todos os atores principais estariam ali e poderíamos fazer as fotos desejadas e as necessárias.
Fechamos uma van, colocamos um fundo de papel branco, algumas tochas de estúdio, softboxes e rumamos de Jacarepaguá para o meio da Presidente Vargas, um local não muito agradável madrugada adentro.
Montamos o fundo e as luzes (veja esquema abaixo) num estacionamento que serviria de base para as gravações e tive a sorte e o prazer de encontrar Jackon Antunes, o "Tio" na trama.
Ator talentoso e alma agradável, Jackson é daquelas pessoas fáceis de se fotografar, mostrei as referências de Platon, ele topou na hora, empolgadíssimo!
Sim, eu estou com uma grande angular estampada no rosto do Jackson, algo variando entre 35 e 28 mm de uma 24-70 mm f/2.8 da Nikon e tanto ele quanto eu estamos babando na hora de fazer o retrato!
Aqui Platon mostra o diferencial: ao longo dese artigo eu mostrei várias referências de fotos feitas com fundo branco, selecionei 3 nomes famosos, mas poderia continuar numa lista bem grande.
Lembra do vídeo sobre a "verdade sobre o Retrato", mais acima? Ele pode ser resumido numa só palavra: contato (ou proximidade, em uma tradução literal)
A forma de traduzir isso fotograficamente se dá através da curta distância de foco das grandes angulares. O fotógrafo consegue chegar mais próximo, a direção fica mais intimista e intensa e graças ao pequeno aparato de iluminação, tudo fica menos ameaçador.
Duas consequências são imediatas: um retratado menos intimidado e uma quebra no padrão tradicional de teleobjetiva para os retratos. Todas as referências mostradas aqui são de fotos feitas com lentes de normal para tele.
Outra conseqüência silenciosa que não aparece nas fotos ou nos vídeos: normalmente a tele ajuda o fotógrafo a se afastar com certa segurança da tensão da imagem, Platon decide deliberadamente fazer parte do furacão emocional e isso deixa as fotos muito mais atraentes.
Ele te coloca de frente ao seu grande ídolo, sem obstáculos entre vocês.
Nunca esteve no equipamento, na lente ou na luz, está sempre dentro da mente do fotógrafo.
Grandes angulares permitem distâncias de foco bem curtas e a aproximação da lente provoca uma distorção abrupta de sua perspectiva, esse é um assunto que rende horas de desentendimentos em grupos de fotografia:
Não é a lente que distorce, mas sua aproximação do rosto de uma pessoa.
Eu tenho minhas dúvidas se esses esquemas de rostos deformados vistos na internet são má fé de quem os descreve ou pura desinformação mesmo.
Enquanto na foto da esquerda a camera está colada no rosto da modelo, para se manter o mesmo quadro na foto da direita o fotógrafo andou bons metros para trás.
Num mundo onde se dá zoom nas imagens em LCDs de câmera e monitores de computador, esse efeito deveria ser facilmente entendido, mas virou um mito difícil de ser aceito.
Como se tratam de imagens figurativas, o fotógrafo tem a sua disposição modos de alterar a forma como percebemos a mesma distância.
A realidade teria que mudar para sua imagem se alterar. É uma ilusão de ótica, um truque tão bem feito que está enganando até mesmo os próprios mágicos.
Eu comento e explico o fenômeno nesse vídeo:
Haveria ainda madrugada adentro: Du Moscovis, Cassia Kiss, Tony Ramos, Zé de Abreu, Cauã Raymond e Giovanna Antonelli. Nada mau para uma noite!
De uma sessão rápida e divertida saiu um dos melhores retratos que já fiz na vida, contrariando as regrinhas bobas de só usar tele e bokeh insano em retratos.
Nikon D4 | Nikkor 24-70 mm f/2.8 | f/14@1/250seg ISO 100
As suas referências determinarão o fotógrafo que você será
Você percebeu nesse artigo como uma formação sólida em referências permitiu que o Platon desenvolvesse seu trabalho baseado em clássicos históricos.
Não foi acaso, foi estudo.
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Conclusão
Existe uma idéia de que tudo já foi feito na fotografia, mas perceba que uma leve mudança em um só aspecto, uma lente diferente por exemplo, já muda completamente a percepção do que aquela imagem representava.
A época em que a imagem será usada como inspiração, dá nova vida aos clássicos. Lembre-se de que só se tornaram clássicos justamente porque houve essa oxigenação de valores, pessoas criativas viraram do avesso idéias já realizadas. É assim desde que o mundo é mundo.
Não está na lente usada, na luz, na pessoa fotografada, no fundo, esses detalhes são vistos apenas por quem é do ramo fotográfico, não pelos espectadores da sua imagem.
As imagens de Platon me lembram de uma frase certeira do Cartier-Bresson (presente aqui no blog também):
É pela grande economia de meios que se chega à simplicidade de expressão
Todas as suas preocupações com equipamentos, linguagem, luz, nitidez, desfoque, as inumeras discussões sobre esses assuntos, ficarão invisíveis na imagem final, amalgamadas indistintamente.
Siua dedicação deve ser em ouvir e ver como seu personagem desenvolve sua própria história, como tirar elementos dele para compor esses retratos.
Não se buscam os melhores fotógrafos do mundo com suas fotos maravilhosas, duvido que Platon busque esse tipo de reconhecimemto, "ter a melhor foto do mundo".
É a busca pela melhor forma de interagir para relizar a imagem que está na sua mente, esse é o prazer.
Espero que tenha gostado, deixe seu comentário aqui embaixo e se quiser receber conteúdo original como esse semanalmente em seu email, cadastre-se na minha lista VIP clicando aqui.
Documentário Bônus
Esse é para você que chegou até aqui: Platon foi tema de um programa de uma série documental na Netflix chamada Abstract, no vídeo abaixo o fotógrafo fala sobre o seu método que como enxerga a fotografia.
Vale muito a pena, aproveita e deixa seu comentário aqui embaixo com sua opinião!
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